terça-feira, 24 de novembro de 2009

Goiâna Noise

Goiânia comemora 15 anos de festival independente e se torna a nova capital do rock

Fátima Sá


RIO - Pense num lugar em que o taxista ouve Ramones, o prefeito aparece no Orkut fazendo sinal de chifrinho e o desconhecido que oferece carona é músico de uma banda que toca no principal festival da cidade. Pois foi isso que a gente encontrou em Goiânia. A capital de Goiás, lugar-comum das duplas sertanejas (Zezé di Camargo & Luciano, Leandro & Leonardo e Bruno & Marrone vieram de lá), virou, faz tempo, um celeiro do rock. A gente só não imaginava que a coisa fosse tão grande. E interessante. Com uma dúzia de festivais independentes, selos, estúdios, casas de shows e bandas em profusão, Goiânia ferve. E é a cara de um fenômeno que se alastra: longe demais do grande circuito, mas perto o suficiente da internet, a produção cultural alternativa vem conquistando corações e mentes no Brasil inteiro. Só que essa história não vem de hoje. Começa 15 anos atrás, com dois moleques e uns trocados.

Assista a vídeo sobre a cena roqueira de Goiânia


Márcio Jr. tinha uma banda e um zine. Leo Bigode também. Os dois viviam numa loja de discos do centro de Goiânia, acabaram virando sócios da loja (o.k., o negócio faliu, mas isso não vem ao caso) e, inspirados por experiências como o Festival Junta Tribo, em 1993 e 1994, em Campinas, decidiram fazer parecido. Organizaram uma vaquinha, alugaram um som, chamaram um punhado de bandas (incluindo as deles, naturalmente) e criaram o Goiânia Noise Festival. Perderam grana, quase surtaram, mas no ano seguinte meteram a cara de novo. E de novo. E de novo, até que o Noise virou um dos maiores festivais independentes do Brasil. O terreno, afinal, era fértil. Há tempos, Márcio Jr. e Bigode trocavam informações e fitas-demo com gente de todo o país, pelo correio. E o que ouviam foi ficando tão bom que em 1998 eles resolveram lançar coisas bacanas em vinil. Era o começo da Monstro Discos, hoje o maior selo de música independente do país.



Os dois não chegaram lá sozinhos. Tiveram um reforço considerável. Nascido e criado em Goiânia, Fabrício Nobre ia ao festival. E também tinha uma banda. E um selo. Como não conseguia tocar no Noise, criou seu próprio festival, o Bananada. Enquanto isso, Leo Razuk, vizinho dos três, não tinha banda, nem selo, nem festival. Mas sempre foi louco por música. Tanto que fez jornalismo só pra escrever sobre o assunto. E escreveu. Sobre o Noise, a Monstro, o Bananada... Os quatro acabaram produzindo um show juntos (da banda grunge Mudhoney), tudo deu certo e eles viraram sócios. Hoje, de uma sala comercial de 40 metros quadrados em Goiânia, Leo Razuk, 37 anos, Bigode, 34, Fabrício, 30, e Márcio Jr., 37, organizam dois festivais e vários shows, lançam bandas de norte a sul, agitam encontros para capacitar o setor e publicam quadrinhos também. Agora, enquanto você lê, estão à toda para botar o próximo festival na rua. O 15º Goiânia Noise, orçado em R$ 800 mil, começa amanhã, com exposição e filmes, e segue com shows de quarta-feira a domingo. A propósito, a banda do Bigode (Jukes) não existe mais. Mas a do Fabrício (MQN - ouça a música 'Cold queen' ) e a do Márcio Jr. (Mechanics - ouça a faixa 'Climax' ) continuam na estrada. E vão tocar no festival.



O 15º Goiânia Noise terá mais de 60 atrações em vários palcos da cidade, do Metrópolis, que é uma espécie de Casa da Matriz local, ao Centro Cultural Martim Cererê, o endereço oficial do rock por lá. A programação inclui os americanos do Supersuckers e do Dirty Projectors e os canadenses do Think About Life. De quebra, Martin Atkins, ex-baterista do Nine Inch Nails, vem dar uma palestra. E Paul Jones, diretor artístico da lendária gravadora inglesa Rough Trade, que lançou The Smiths e The Fall, também vai falar e, ainda, botar som numa casa da cidade. Mas a maioria das atrações - e algumas das mais legais - é mesmo de Goiânia. Bandas que fazem um barulho bom fora de casa, como Black Drawing Chalks ( ouça 'My favorite way' ), Bang Bang Babies, Barfly ( ouça 'Imaginary year' ), Johnny Suxxx n' the Fucking Boys, Violins ( ouça 'Entre o céu e o inferno' ) e Diego de Moraes e o Sindicato ( ouça 'Amigo' ), que, aliás, é o grupo do carinha que nos deu carona.



No meio da escalação está gente que era plateia até outro dia. Gente que ia ao Noise, se inspirou e formou uma banda. Foi assim, por exemplo, com o Bang Bang Babies e seu som garageiro ( ouça 'Love and bullets' ).

- Em 2001, 2002, a gente ouvia Mechanics e MQN - lembra Pedro Henrique, 24 anos, vocalista e guitarrista da banda, que lançou um EP e um CD, tocou nos festivais Jambolada (Uberlândia), Demo Sul (Londrina) e Calango (Cuiabá) e prepara um compacto em vinil a ser prensado em Londres.

- O rock goiano tinha bandas boas desde os anos 80. Mas os selos e festivais consolidaram isso - diz Migué, atual baterista do grupo e integrante do finado Hang the Superstars.

Leia a íntegra da reportagem na edição digital da Revista O Globo deste domingo (apenas para assinantes)

PX

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